cartum humor ou lorax lor 2015

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Cartum e Humor, ou Lorax LOR 1 , Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil 1 LOR é Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, ateu, sem time de futebol, médico voluntário, cientista amador, cartunista meio aposentado e aparentemente feliz. Mas nem sempre foi assim.

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Artigo sobre o que é humor, cartum e seus significados psicológicos, ideológicos e culturais. Publicado em Junho de 2015 na revista Bergasse 19 da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto. Ilustrado

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Cartum e Humor, ou Lorax

LOR1, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

1 LOR é Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, ateu, sem time de futebol, médico voluntário, cientista

amador, cartunista meio aposentado e aparentemente feliz. Mas nem sempre foi assim.

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Resumo

O humor é uma necessidade psíquica que pode ser buscada de diversas formas, entre

elas o cartum, ou desenho de humor. O humor pode ser alcançado pelos cartunistas ao

desenharem seus cartuns e pelos espectadores ao contemplarem os cartuns realizados.

Alguns dos significados psicológicos e sociais do humor são discutidos no presente

texto. Apesar de populares, os cartuns são pouco conhecidos em suas diversas

especialidades, que apresentam grandes diferenças no modo de criação, no público alvo

e no seu conteúdo ideológico. O processo relativamente misterioso da criação de um

cartum é apresentado, sendo fornecido um exemplo para ser discutido. Em conclusão,

acredito é preciso garantir uma fonte cotidiana de humor na superação de diversas

angústias.

Palavra-chave: humor, cartum, arte.

A definição dos limites entre a saúde e a doença ou entre uma doença e outra é

sempre motivo de ansiedade, insegurança e desconforto para os médicos e seus

pacientes. O cartum acima utiliza o humor para trazer à consciência o problema para,

em seguida, reluzi-lo a uma brincadeira, apaziguando-nos e aliviando nossa ansiedade

(Freud, 1905/1977) o que resulta em prazer.

Analisando melhor o cartum, percebe-se que o desenho é estilizado e

simplificado de tal forma que se aproxima do desenho das crianças, - remetendo o

espectador para os tempos da infância, - e desprovido intencionalmente de qualquer

seriedade, prenunciando-se de imediato como lúdico e prazeroso. Estas características

devem estar presentes em maior ou menor grau na arte do cartum, uma arte gráfica

especial que deve ser capaz de provocar o humor.

Mas, o que é o cartum?

O cartum é o nome genérico para as diferentes formas de desenho estilizado

(aproximando-se do traço infantil) que contém humor. O cartunista pode atuar em uma

ou mais das cinco especialidades: o cartum propriamente dito, ou seja, o desenho de

humor atemporal, sem ligações imediatas com os fatos; a charge, ligada a determinados

acontecimentos históricos; a caricatura, o retrato estilizado, exagerado, deformado de

alguém, buscando-se capturar as características físicas e psicológicas do retratado; a

ilustração, que procura despertar o interesse do leitor para um texto que também

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contenha humor; e os quadrinhos, que contam histórias ou criam personagens

permanentes, com intenção de humor, usando a técnica de narrativa em quadros

sucessivos. É bom lembrar que há outra linhagem de quadrinhos, chamados quadrinhos

de aventura, que utilizam desenhos realistas e não pretendem provocar o humor, são

mais conservadores ideologicamente e reproduzem determinados valores sociais

dominantes de forma acrítica.

Muito tem sido pensado sobre os significados mentais do humor, mas parece-me

um comportamento humano inato e complexo, que abrange desde os primeiros sorrisos

da criança até a gargalhada dos adultos. Creio haver uma base biológica para o prazer

no sorriso desde a infância, o primeiro sinal social de contato com os pais, antes mesmo

de aprendermos a falar. Este sorriso social há de perdurar ao longo da vida como sinal

de cordialidade, para amenizar a agressividade natural de nossos companheiros de

humanidade.

Em seguida, com o desenvolvimento neuropsicológico, viriam outras formas de

prazer ligadas ao humor: em especial, o prazer na descoberta, o aprendizado de uma

nova verdade, no sentido de uma outra interpretação também real e possível sobre o

mundo, pois somos animais extremamente curiosos e o prêmio da curiosidade é a

revelação, inundando de dopamina determinadas áreas do nosso cérebro. Assim, quando

perguntamos a uma criança se ela gosta de suco de manga e em seguida passamos a

espremer a manga da camisa sobre um copo, a criança geralmente ri ao descobrir o

duplo sentido da palavra - ela sorri na primeira vez, talvez reafirme o sorriso numa

segunda vez, mas ela ficará aborrecida se insistirmos em repetir a brincadeira, o que

também acontece com adultos quando contamos uma piada já conhecida – pois não há o

prazer da descoberta. Na infância, ao abusarmos das palavras como bunda, cocô e xixi o

humor pode ser útil para enfrentarmos a ansiedade que nos gera o controle da biologia

do nosso próprio corpo, que descobrimos em parte fora do nosso domínio psicológico e

da nossa vontade racional.

O passo seguinte, no desenvolvimento do senso de humor, viria a utilização

social, pelas crianças maiores, das brincadeiras agressivas, dos apelidos depreciativos e

do deboche como instrumentos de reafirmação grupal, gozando os colegas diferentes,

geralmente os mais fracos ou isolados (pois que somos medrosos individualmente, mas

covardes em grupos). Esta prática da discriminação social através do humor persiste ao

longo de nossa vida, adquirindo formas sutis nas piadas preconceituosas contra o outro,

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o que não pertence ao grupo ou aos padrões dominantes [o terceiro elemento na

composição proposta por Freud (Kupermann, 2005)].

Então, ao aproximarmos da adolescência, nosso corpo novamente nos

surpreende com transformações radicais que nos atordoam, nos deixam envergonhados

e perplexos: começa a fase do humor baseado nas piadas sobre sexo, diferenças de

gênero e normas de conduta sexual vigentes na sociedade – que estão implícitas nas

piadas. Um pouco depois, a vida do adulto jovem exigirá em maior ou menor grau o seu

posicionamento político e ideológico na sociedade de classes em que vivemos, o que o

habilita a apreciar o humor político, com o qual descobrimos a verdade por trás dos

erros... dos adversários.

Finalmente, o envelhecimento reduz a prepotência da nossa juventude e

começamos a achar graça nas contradições em que nós próprios vivemos, e aprendemos

a gostar do humor que nos revela a futilidade da vida, sua finitude e falta de sentido nas

paixões da juventude e nos sonhos de grandeza individual.

O que é o humor?

De qualquer forma, humor é sempre prazer: na descoberta de uma nova verdade

sobre o mundo; na superação de um medo tornando-o ridículo; no sentimento de sermos

superiores ou pertencentes a um grupo social criticando nossos adversários; na redução

da nossa solidão ao percebermos que outros passam pelas mesmas vergonhas e

limitações que as nossas.

Por outro lado, o humor contém em si, em maior ou menor grau, alguma crítica

individual ou coletiva ao seu objeto (o próprio humorista, o ouvinte, o terceiro

elemento), que pode ser sutil, como um poema, ou agressiva como uma denúncia.

Qualquer que seja a tonalidade da crítica, portanto, no cartum sempre haverá uma

vítima, que pode ser mais ou menos socialmente poderosa.

A virulência da crítica dos cartuns depende do contexto no qual surge o cartum:

por exemplo, a censura durante a ditadura militar jamais permitiu uma caricatura sequer

do presidente Geisel, por mais desprovida de crítica que ela fosse – a simples estilização

do luterano ditador era considerada ofensiva à sua suposta dignidade e compreendida

por todos (inclusive os militares) como uma crítica ao regime militar, com possibilidade

de prisão ou represálias dolorosas para o autor da arte. Outro exemplo, mais recente, é o

de uma charge publicada na Europa sobre Maomé, relativamente suave na sua crítica, a

qual foi entendida pelos muçulmanos no início do Século 21 (!) como heresia, o que

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desencadeou manifestações violentas em diversos países, as quais resultaram em

centenas de mortes.

Portanto, como toda forma de cultura, o cartum é uma construção histórica e sua

compreensão depende do contexto social em que é recebido pelo espectador. Ou seja, o

entendimento da piada, sua maior ou menor graça e o alvo da crítica de um cartum

podem ter interpretações diferentes conforme o momento histórico.

Um exemplo interessante desta variação na percepção de diferentes públicos

aconteceu, com o cartum que recebeu o troféu de prata no XVII Salão Carioca de

Humor (2006). Desenhei três meninos brancos prontos para mergulharem numa piscina,

enquanto o preparador técnico indica uma raia especial para o menino negro: fora da

água (Figura 2). Tinha absoluta certeza de que a minha intenção de denunciar a

discriminação racial na sociedade, - no cartum representada pela natação, - esporte

onde, de fato, são raros os atletas negros de destaque, - seria compreendida pelos

membros do júri – o que aconteceu, - ou por qualquer pessoa que visse o cartum em

qualquer época, o que, para minha surpresa, não se confirmou.

Anos depois, durante uma exposição de alguns desenhos meus (Faculdade de

Medicina da UFMG, 2010), encontrei alguns jovens nascidos na década de 90 que

entenderam que o cartum da piscina debochava do menino negro e, estarrecido,

constatei que eles estavam achando graça... – da vítima! Depois, em 2014, durante uma

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palestra2 comentei publicamente esta diferença entre minha intenção com o cartum e a

sua interpretação por outras pessoas e uma médica que me assistia comentou que

imaginava que eu estaria criticando as cotas para negros na universidade, crítica esta

com a qual ela concordava. Semanas depois, conversando sobre esta mesma questão

com três jornalistas, uma delas disse que havia entendido o cartum da piscina como uma

ilustração das deficiências naturais dos negros e, - pasmem! – ela é uma jovem negra.

Este exemplo torna evidente o caráter histórico do cartum, pela diferença de

percepção no significado do cartum entre a maioria das pessoas de minha geração, -

para a qual o cartum costumava ser crítica social, - e outras gerações, por exemplo, os

jovens que atualmente dispõem de milhares de cartuns diariamente pela internet: talvez

eles entendam que um cartum seja somente uma brincadeira, ainda que seu tema seja o

mito racial, esta abominável invenção humana criada para justificar a exploração

capitalista depois da proclamação da igualdade entre todos pela república (Magnoli,

2009).

O que é o cartunista?

Um requisito fundamental para o humorista é que ele não pode se levar a sério:

nosso lema, à maneira do Groucho Marx é: “jamais entraria para um clube que me

aceitasse como sócio”. Por isso, ao contrário de outras artes, não se procura beleza no

desenho de humor, dispensam-se cores e detalhes desnecessários e, sempre que

possível, como já foi dito, devemos nos aproximar ao máximo do traço das crianças: é

preciso certa infantilidade na forma - se bonecos de pauzinhos conseguirem transmitir

uma ideia, quaisquer recursos adicionais seriam redundância empobrecedora da arte do

cartum.

Esta aparente ingenuidade no traço infantil, esquemático, simbólico e enxuto é

necessária para remetermos o espectador aos sentimentos nos primórdios de sua vida, e

desmobilizarmos suas resistências para abrir espaço para o humor, como os palhaços

fazem ao colocar o nariz de bola vermelha, também uma espécie de licença para gozar o

outro, começando por si mesmo.

Por tudo isso, o cartum não é considerado Arte (com maiúscula) porque os

artistas em geral não desejam entre eles um grupo de desenhistas (infantis) que não leva

a Arte a sério, nem, por sua vez, os cartunistas pretendem ser incluídos num clube que

2 Palestra proferida na Clínica Psiquiátrica do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas

Gerais (IPSEMG) a convite do Dr. Fábio Rocha, 2014.

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se leva a sério demais. Os livros de história da Arte habitualmente sequer tocam nos

cartuns, embora eu creia que já houvesse cartunistas entre os homens das cavernas –

aqueles falos gigantescos nas pinturas rupestres só podem ser de brincadeira! – e

quando o fazem, limitam-se aos quadrinhos, especialmente aqueles de grande sucesso

comercial, colocando-nos num desdenhoso nicho reservado para arte popular, arte de

massas ou artes gráficas. Uma das poucas exceções é quando os críticos de Arte têm que

explicar a arte de Roy Lichtenstein, inspirada no sistema de impressão das histórias em

quadrinhos norteamericanas. Curiosamente, em seu excelente livro Isto é Arte?,

Gompertz (2013) utiliza diversos cartuns para ilustrar suas principais ideias, mas sequer

menciona o cartum em suas 428 páginas dedicadas aos 150 anos de arte moderna e

impressionismo.

No entanto, o desenho de humor sem se pretender Arte, atingiu milhões de

pessoas a partir do crescimento da imprensa no século passado e teria, no máximo,

algum parentesco histórico e ideológico com o dadaísmo: a mistura de crítica à

civilização capitalista e niilismo filosófico que surgiu em decorrência da Primeira

Guerra Mundial, - se nós cartunistas levássemos um pouco mais a sério a nossa arte.

As características de crítica e niilismo intrínsecas ao humor conduzem à

inexistência de regras definidas para a arte do cartum: a maioria dos cartunistas é

autodidata e seu talento se revela (ou se conserva) desde a infância; a maioria dos

cartunistas que conheço não tem formação em artes: não existem escolas para formar

cartunistas (para desenhistas de quadrinhos, especialmente ligados à publicidade, sim).

Simplesmente, a pessoa gosta de representar as coisas daquela forma infantil,

prefere perder um amigo a perder a piada e às vezes tem a chance de mostrar suas

brincadeiras para alguém que, - pasmem! – paga a ele para fazer mais daquilo: pronto,

nasceu um cartunista. Infelizmente aqueles que podem pagar pelos desenhos de humor

não são muitos, até porque como donos do capital eles são alvos frequentes dos

cartunistas, o que torna a profissão mal remunerada.

Por falar nisso, durante os primeiros dez anos como cartunista, recebi

remunerações episódicas e irrisórias, pois considerava aquela arte uma renovação da

minha atividade política, a ferramenta que eu dispunha para mudar o mundo: epa! -

ainda me levava sério, portanto não era um bom humorista. Aliás, pensando bem, nunca

o serei, pois este texto e minhas tentativas de explicação racionais da minha própria arte

demonstram que ainda me levo a sério, o que diminui o meu humor.

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Como se cria um cartum?

Perguntam-me com frequência: como você cria um cartum? Poderia dizer que

não sei exatamente, porque um estado de transe psicológico toma conta de mim e

começo a desenhar algo que se formou na minha mente por caminhos desconhecidos,

mas isso seria apenas parte da verdade. Existem duas situações bem distintas: aquela na

qual o cartum brota espontaneamente de meus pensamentos, insistentemente pedindo

para ser desenhado e gerando ansiedade que não cessa até que eu o faça, e a outra, na

qual eu devo desenhar um cartum por deliberação voluntária, em decorrência de

compromissos profissionais.

A primeira delas, que me parece mais genuinamente artística, geralmente resulta

em cartuns pelos quais eu tenho maior apreço. Vamos seguir alguns passos na criação

da capa de um livro que estou escrevendo, para acompanharmos o processo do cartum

que nasce espontaneamente.

Havia algumas semanas que começara a escrever “Memórias e outras

invenções” e numa noite veio-me o impulso, aparentemente sem qualquer finalidade, de

desenhar um cartum (Figura 3, acima, à esquerda), no qual o personagem está diante de

várias placas e uma delas, para a esquerda, indica apenas: desista. Em seguida veio o

segundo cartum (acima, à direita) onde as setas indicam direita ou esquerda, os

caminhos se intercomunicam adiante, mas todos eles terminam diante de um muro. O

terceiro cartum (abaixo, à esquerda) também explora a perspectiva, dando a noção de

escolha, uma vez que os caminhos não se cruzam, mas qualquer que seja o escolhido,

ambos terminarão num castelo, sonho, seja lá o que for. O último desenho (abaixo, à

direita) surgiu da associação espontânea entre os anteriores e a técnica ilusionista do

famoso Escher (1898-1972) - a qual eu já utilizara em outros cartuns.

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Figura 3 – Sequencia de cartuns que surgiram espontaneamente. Da combinação dos

conteúdos dos quatro desenhos surgiu o cartum final (Figura 3). Os cartuns foram desenhados

diretamente com a caneta, sem rascunhos, num caderno de notas que trago comigo apelidado

de Diário de Borda.

No entanto, havia um motivo impreciso em meus pensamentos, alguma coisa

relacionada com a crítica que eu tenho feito ao trabalho do Escher 3, reacendida depois

que revi sua obra com minha família na sua exposição itinerante pelo Brasil. Havia

também algo relacionado com o sentido filosófico das escolhas, o que havia abordado

numa tira que desenhara recente do índio Gu-Ê-Krig, um dos personagens da tira em

quadrinhos “Now Sem Rumo”.

3 Tomei contato com os desenhos do Escher na década de setenta, e eles me impressionaram pela magia

dos labirintos, ilusões de ótica, etc. No entanto, depois de algum tempo, algo me incomodava em sua

obra, como se faltasse algo no seu rigor geométrico. Hoje, ele me parece um artista que permaneceu preso

ao seu maneirismo técnico, obsessivamente repetido sem incluir o humano nas ilusões do mundo além

dos efeitos ópticos.

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Figura 4 - Now Sem Rumo é uma história em quadrinhos de humor que publiquei de

1984 a 1989, cerca de 700 tiras, em vários jornais brasileiros. Um dos personagens era um

louco que trazia um frango pela coleira, e vivia numa nave espacial perdida no espaço –

porque as duas metades da nave eram inimigas entre si - e que passou a se imaginar ser Gu-Ê-

Krig, um dos deuses da mitologia Guaikuru, depois que leu “Kadiweu”, um dos livros do Darcy

Ribeiro.

De repente, os quatro desenhos se somaram no meu imaginário: tratavam das

escolhas e de sua inutilidade. Bastaria que eu colocasse um indivíduo meio médico,

meio viajante, e um tanto perplexo diante daquelas setas em branco, e empregasse a

técnica aprendida do Escher, então eu poderia mostrar humoristicamente o absurdo dos

percursos de uma vida: estava pronto o cartum final.

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Figura 5 – Cartum final, provável capa do meu livro de memórias.

A situação mais comum para o cartunista, no entanto, é aquela na qual criamos

voluntariamente desenhos de humor sobre determinados temas, como tenho feito com

as charges para o Jornal da Associação Médica de Minas Gerais, desde 2002, e fiz com

as charges publicadas em dias alternados para o Diário Popular (SP) de 1988 a 2004.

Nestes casos, geralmente o processo de criação segue caminho diverso dos cartuns

espontâneos como descrevi acima.

Por exemplo, eu desejava criticar determinado tema, (Figura 6) os altos preços

impostos pela indústria aos medicamentos. Então, tomei uma folha de papel, lápis,

borracha e comecei a procurar ligações inéditas entre os elementos: alguém precisa

comprar o remédio, mas o alto preço impede que todos o comprem, há alguns que não

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poderão tomar o remédio, ele acaba sendo contraindicado para os pobres... pronto – o

preço se torna uma das contraindicações na própria bula, o que é inédito, portanto, um

novo olhar sobre a questão, com humor . Observe-se que há uma parte de controle

racional do processo, mas há outra de criatividade natural, sobre a qual não tenho muito

controle. De qualquer forma, os cartuns e charges criados intencionalmente parecem

trazer a marca daquela parte que teve sua origem no lado esquerdo do cérebro: eles

contêm mais palavras, como o da Figura 6.

Figura 6 – Charge premiada no Salão Internacional de Humor para Imprensa, realizado em

Porto Alegre em 1993. Observe-se a grande quantidade de palavras, em comparação com os cartuns

criados de forma espontânea.

Em conclusão, o cartum é uma forma de arte gráfica que contém humor

historicamente vinculado à sociedade humana; o humor é um comportamento humano

inato e que se desenvolve ao longo da vida, complexo e relacionado ao prazer e ao

alívio da ansiedade. Quando o autor se chama LOR, talvez o cartum possa se chamar

LORAX.

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Cartoon, humor or Lorax?

Abstract

Humor is a psychological human need, which could be satisfied in many ways,

including the cartooning. Humor is achieved by the cartoonists when they are drawing

their cartoons or by the people when they are appreciating the cartoons done. Some of

the psychological and social meanings of humor are discussed in the present text.

Although they are very popular, the cartoons are not well understood, because they have

many specialties, which present great differences in the way they are created, as well as

in their wide target public and its ideological subject. The almost mysterious cartooning

process is commented and an example is presented to discussion. In conclusion, I

believe it must be assured a dairy humor quote to people to handle with many of our

psychological problems.

Keywords: humor, cartoon, art.

Referências

Freud, S. (1977). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In Freud, S. Edição

Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. VIII.

Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1905).

Gompertz, W. (2013). Isso é Arte? Rio de Janeiro: Zahar.

Kupermann, D. (2005). Perder a vida, mas não perder a piada. O humor entre

companheiros de descrença. In Slavutzky, A. & Kupermann, D. Seria trágico... se não

fosse cômico. Humor e psicanálise. Rio de janeiro: Civilização Brasileira.

Magnoli, D. (2009). Uma gota de sangue. História do pensamento racial. São Paulo:

Contexto.

LOR – Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

E-mail: [email protected]