semiologia da dor

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Arlindo Ugulino Netto – MEDICINA P4 – 2009.1 1 MED RESUMOS 2009 NETTO, Arlindo Ugulino. SEMIOLOGIA DOR A dor (algia, nocicepo) um sintoma de cunho desagradvel, que varia desde um desconforto leve ao excruciante, associada a um processo destrutivo atual ou potencial dos tecidos que se manifesta por meio de uma reao orgnica e/ou emocional. , em outras palavras, o sintoma mais comum na prtica mdica. Estudos mostram que a conotao do sintoma “dor” envolve componentes sensoriais perifricos, sensoriais centrais, cognitivos e afetivo- emocionais. Isto , a dor processo intrnseco adaptao e interpretao de cada indivduo. O Primeiro Subcomit de Taxonomia da Dor da IASP props a seguinte definio: “Dor e uma desagradvel experincia sensorial e emocional associada a uma leso tecidual j existente ou potencial, ou relatada como se uma leso existisse”. Esta ltima definio conota a dor relatada por alguns paciente para tentar expressar o quo tamanha a intensidade da dor: “sinto uma dor como se houvesse uma faca em meu peito” . A dor , sem dvida, um mecanismo bsico de defesa. H quem diga que a dor uma “virtude”. Em primeiro lugar, porque ela pode nos alertar de eventos nocivos antes mesmo que aconteam, por exemplo: quando se percebe um calor excessivo, a presso exercida por um objeto prfuro-cortante, etc. A sensao dolorosa a responsvel por provocar o afastamento reflexo do indivduo com relao ao objeto que poder desencadear um dano. Segundo, a dor serve para educar e indicar que determinada ao (previamente cometida) pode desencadear um estmulo desagradvel posteriormente. Em terceiro plano, a dor capaz de induzir o paciente ao repouso quando este submetido a leses articulares, infeces abdominais, etc; repouso este essencial para a recuperao natural do organismo afetado. Entretanto, h dores como as que surgem aps leso do sistema nervoso perifrico (como na avulso de ramos do plexo braquial), que no servem a nenhum propsito til. Uma pessoa que teve amputao traumtica de um membro pode vir a sofrer dor do “membro fantasma”, que se torna crnica e acompanha o paciente por toda sua vida. Dores crnicas podem ser, inclusive, to terrveis que alguns pacientes cometem suicdio para se livrarem da mesma. A falta da sensibilidade dolorosa considerado um fator limitante de sobrevida: h relatos de pessoas que sofreram leses extremamente graves (como queimaduras ou contuses) e no puderam se defender por no ter um sistema de alerta funcionando. Pessoas com esta deficincia morrem mais precocemente em funo de mltiplas leses que possam acometer. importante ressaltar que a dor uma condio extremamente complexa. No se trata apenas de uma modalidade sensitiva, mas tambm das reaes reflexas, aprendizado, memorizao, respostas emocionais e comportamentais frente a uma situao dolorosa. CLASSIFICAO DA DOR A dor pode ser classificada de acordo com a sua disposio temporal em aguda e crônica. Dor aguda: de extrema importncia do ponto de vista biolgico, uma modalidade sensitiva que desempenha, entre outros, papel de alerta, comunicando ao sistema nervoso central que algo est errado. Esta modalidade praticamente desaparece se a fonte nociceptiva for extinguida e porventura de uma resoluo do processo patolgico. Dor crônica: o tipo de dor que persiste por um perodo superior quele necessrio para a cura de um processo mrbido ou aquela associada a afeces crnicas (como cncer, atrite reumatide, alteraes degenerativas da coluna, ou ainda, decorrente da leso do sistema nervoso. No tem qualquer funo de alerta e determina acentuado estresse, sofrimento e perda na qualidade de vida. NEUROANATOMIA FUNCIONAL DA DOR O mecanismo de percepo e interpretao da dor depende de trs mecanismos bsicos: transdução, transmissão e modulação, pertencentes ao componente sensitivo discriminativo da sensao dolorosa. TRANSDUÇÃO o mecanismo de ativao do nociceptores, fenmeno que se d pela transformao de um estmulo nocivo (mecnico, trmico ou qumico) em potencial de ao. Os nociceptores nada mais so que terminaes nervosas livres de fibras mielnicas finas (A-delta ou III) ou amielnicas (C ou IV). Fibras Aδ Mielnicas Transmisso de dor rpida Via neo-espino talmica (do grupo lateral) Organizao somatotpica “dor em pontada”

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Arlindo Ugulino Netto – MEDICINA P4 – 2009.1

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MED RESUMOS 2009NETTO, Arlindo Ugulino.SEMIOLOGIA

DOR

A dor (algia, nocicep��o) � um sintoma de cunho desagrad�vel, que varia desde um desconforto leve ao excruciante, associada a um processo destrutivo atual ou potencial dos tecidos que se manifesta por meio de uma rea��o org�nica e/ou emocional. �, em outras palavras, o sintoma mais comum na pr�tica m�dica. Estudos mostram que a conota��o do sintoma “dor” envolve componentes sensoriais perif�ricos, sensoriais centrais, cognitivos e afetivo-emocionais. Isto �, a dor � processo intr�nseco � adapta��o e interpreta��o de cada indiv�duo.

O Primeiro Subcomit� de Taxonomia da Dor da IASP prop�s a seguinte defini��o: “Dor e uma desagrad�vel experi�ncia sensorial e emocional associada a uma les�o tecidual j� existente ou potencial, ou relatada como se uma les�o existisse”. Esta �ltima defini��o conota a dor relatada por alguns paciente para tentar expressar o qu�o tamanha � a intensidade da dor: “sinto uma dor como se houvesse uma faca em meu peito”.

A dor �, sem d�vida, um mecanismo b�sico de defesa. H� quem diga que a dor � uma “virtude”. Em primeiro lugar, porque ela pode nos alertar de eventos nocivos antes mesmo que aconte�am, por exemplo: quando se percebe um calor excessivo, a press�o exercida por um objeto p�rfuro-cortante, etc. A sensa��o dolorosa � a respons�vel por provocar o afastamento reflexo do indiv�duo com rela��o ao objeto que poder� desencadear um dano. Segundo, a dor serve para educar e indicar que determinada a��o (previamente cometida) pode desencadear um est�mulo desagrad�vel posteriormente. Em terceiro plano, a dor � capaz de induzir o paciente ao repouso quando este � submetido a les�es articulares, infec��es abdominais, etc; repouso este essencial para a recupera��o natural do organismo afetado.

Entretanto, h� dores como as que surgem ap�s les�o do sistema nervoso perif�rico (como na avuls�o de ramos do plexo braquial), que n�o servem a nenhum prop�sito �til. Uma pessoa que teve amputa��o traum�tica de um membro pode vir a sofrer dor do “membro fantasma”, que se torna cr�nica e acompanha o paciente por toda sua vida.Dores cr�nicas podem ser, inclusive, t�o terr�veis que alguns pacientes cometem suic�dio para se livrarem da mesma.

A falta da sensibilidade dolorosa � considerado um fator limitante de sobrevida: h� relatos de pessoas que sofreram les�es extremamente graves (como queimaduras ou contus�es) e n�o puderam se defender por n�o ter um sistema de alerta funcionando. Pessoas com esta defici�ncia morrem mais precocemente em fun��o de m�ltiplas les�es que possam acometer.

� importante ressaltar que a dor � uma condi��o extremamente complexa. N�o se trata apenas de uma modalidade sensitiva, mas tamb�m das rea��es reflexas, aprendizado, memoriza��o, respostas emocionais e comportamentais frente a uma situa��o dolorosa.

CLASSIFICA��O DA DORA dor pode ser classificada de acordo com a sua disposi��o temporal em aguda e crônica.

Dor aguda: de extrema import�ncia do ponto de vista biol�gico, � uma modalidade sensitiva que desempenha, entre outros, papel de alerta, comunicando ao sistema nervoso central que algo est� errado. Esta modalidade praticamente desaparece se a fonte nociceptiva for extinguida e porventura de uma resolu��o do processo patol�gico.

Dor crônica: � o tipo de dor que persiste por um per�odo superior �quele necess�rio para a cura de um processo m�rbido ou aquela associada a afec��es cr�nicas (como c�ncer, atrite reumat�ide, altera��es degenerativas da coluna, ou ainda, decorrente da les�o do sistema nervoso. N�o tem qualquer fun��o de alerta e determina acentuado estresse, sofrimento e perda na qualidade de vida.

NEUROANATOMIA FUNCIONAL DA DORO mecanismo de percep��o e interpreta��o da dor depende de tr�s mecanismos b�sicos: transdução,

transmissão e modulação, pertencentes ao componente sensitivo discriminativo da sensa��o dolorosa.

TRANSDUÇÃO� o mecanismo de ativa��o do nociceptores, fen�meno que se d� pela transforma��o de um est�mulo nocivo

(mec�nico, t�rmico ou qu�mico) em potencial de a��o. Os nociceptores nada mais s�o que termina��es nervosas livres de fibras miel�nicas finas (A-delta ou III) ou amiel�nicas (C ou IV).

Fibras Aδ Miel�nicas Transmiss�o de dor r�pida Via neo-espino tal�mica (do grupo lateral) Organiza��o somatot�pica “dor em pontada”

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Fibras C Amiel�nicas Transmiss�o de dor lenta (m�sculos, tend�es, v�sceras) (do grupo medial) Via paleoespino-tal�mica Sem localiza��o precisa “dor em queima��o”

Os est�mulos mec�nicos e t�rmicos, al�m de excitarem os nociceptores a eles sens�veis, podem promover um dano tecidual e vascular local, causando a libera��o de uma s�rie de mediadores qu�micos como �ons hidrog�nio e pot�ssio, serotonina, histamina, prostaglandinas e subst�ncia P.

Admitindo-se que a dor seja um sinal de alarme, compreende-se que o est�mulo adequado para provocar dor em um tecido � aquele que potencialmente seja capaz de les�-lo. Assim, os nociceptores musculares s�o mais sens�veis ao estiramento e � contra��o isqu�mica; os articulares, aos processos inflamat�rios e aos movimentos extremos; os viscerais, � distens�o, � tra��o, � isquemia; e os tegmentares, a uma variedade de est�mulos mec�nicos, t�rmicos e qu�micos, mas n�o � distens�o e � tra��o.

Observa-se ainda que o par�nquima cerebral, hep�tico, espl�nico e pulmonar s�o praticamente indolores em virtude da pouca distribui��o de termina��es nociceptivas. Em contrapartida, o tegumento e o revestimento fibroso do sistema nervoso (meninges), dos ossos (peri�steo), da cavidade abdominal (perit�nio parietal) e da cavidade tor�cica (pleura parietal) s�o extremamente sens�veis.

TRANSMISSÃOA transmiss�o � o mecanismo que abrange e estuda o conjunto das vias aferentes que levam o impulso gerado

perifericamente para uma respectiva �rea de proje��o no SNC comprometida com o reconhecimento da dor.As fibras nociceptivas (A-delta e C), oriundas da periferia, constituem os prolongamentos perif�ricos dos

neur�nios pseudo-unipolares situados nos g�nglios espinhais de alguns nervos cranianos (trig�meo, principalmente; facial; glossofar�ngeo; e vago). J� as provenientes das v�sceras cursam por nervos auton�micos simp�ticos (card�acos m�dio e inferior, espl�ncnico maior, menor e m�dio, espl�ncnicos lombares) e parassimp�ticos (vago, glossofar�ngeo e espl�ncnicos p�lvicos – S2, S3 e S4).

Os prolongamentos centrais dos neur�nios pseudo-unipolares adentram na medula (ou no tronco cerebral) sobretudo pela raiz dorsal. Tais ramos terminam fazendo sinapse com neur�nios localizados na coluna posterior da substancia cinzenta da medula. Os ax�nios destes neur�nios originam as vias nociceptivas, que podem ser dividias nos seguintes grupos: duas filogeneticamente mais recentes, a neoespino-talâmica (constitu�da pelo tracto espino-tal�mico lateral) e neotrigeminotalâmica (fibras que se originam do n�cleo do tracto espinhal do trig�meo); e outras mais antigas, como a paleoespino-talâmica (constitu�da pelo tracto espino-reticular e as fibras ret�culo-tal�micas). Todas estas vias fazem conex�o com os n�cleos tal�micos ventrocaudal (ventral p�sterolateral + ventral p�steromedial). Do t�lamo, partem radia��es difusas para todo o c�rtex cerebral.

Vale salientar, entretanto, que as vias mais recentes s�o somatotopicamente organizadas na chamada �rea somest�sica prim�ria (giro p�s-central, �rea 3, 2 e 1 de Brodmann). J� as vias mais antigas est�o relacionadas com o aspecto afetivo-motivacional da dor.

MODULAÇÃOAl�m das vias e centros respons�veis pela transmiss�o da dor, h� centros e vias respons�veis pela

transmiss�o da dor, h� v�rias centros e vias respons�veis por sua supress�o. Como exemplo, o modelo denominado como Teoria do Portão (das Comportas), proposto por Wall e Melzack. Esta teoria defende o fato de que as modalidades sensitivas modulavam a passagem de si mesmas por entre a chamada subst�ncia gelatinosa no port�o da dor (�pice do corno posterior da medula).

Outra regi�o relacionada com esta modula��o � a subst�ncia cinzenta periaquedutal do mesenc�falo, relacionada com a produ��o na analgesia, a qual � acompanhada por aumento da concentra��o de opi�ides end�genos no l�quor.

A estimula��o el�trica de outras estruturas pode tamb�m proporcionar o al�vio da dor. Tal � o caso da estimula��o do fun�culo posterior da medula espinhal, lemnisco medial, t�lamo ventrocaudal, c�psula interna, c�rtex somest�sico e c�rtex motor.

ASPECTO AFETIVO-MOTIVACIONAL E COGNITIVO-AVALIATIVO DA DORAt� o momento, abordamos a dor como uma forma de sensa��o, ou seja, seu aspecto sensitivo-

discriminativo. Ocorre, por�m, que a dor n�o � apenas uma sensa��o. A resposta final a um est�mulo �lgico compreende tamb�m uma s�rie de rea��es reflexas, emocionais e comportamentais e depende do aprendizado e memoriza��o de experi�ncias pr�vias, do grau de aten��o ou de distra��o, do estado emocional e do processamento e integra��o das diversas informa��es sensoriais e cognitivas.

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Aspecto afetivo-motivacional: este aspecto est� relacionado a partir das conex�es que as vias nociceptivas estabelecem com a forma��o reticular do tronco cerebral, hipot�lamo, n�cleos mediais e intralaminares do t�lamo e sistema l�mbico, estruturas reconhecidamente comprometidas com a regula��o das emo��es e do comportamento, incluindo a dimens�o afetiva (experi�ncia desagrad�vel, ruim, amedrontadora)-motivacional (a��o motivada pela dor, como a rea��o de retirada ou de fuga) da dor.

Aspecto cognitivo-avaliativo: com o passar dos anos, a dor passa a ser relacionada com certas polaridades como prazer/castigo e bom/mau. Da avalia��o e julgamento desses dados, depender� o que o indiv�duo considera como dor. Tudo isso s� � poss�vel gra�as �s vias e estruturas respons�veis pela dimens�o cognitivo-avaliativa da dor. As informa��es nociceptivas chegam ao c�rtex somest�sico e s�o integradas nas �reas corticais associativas, sobretudo no neoc�rtex temporal. Assim, a intensidade da dor depende de uma s�rie de fatores: intensidade do est�mulo �lgico, grau da aten��o ou de distra��o, estado emocional, aspectos culturais e religiosos, dentro outros.

CLASSIFICA��O FISIOPATOL�GICA DA DORA dor pode ser classificada em nociceptiva, neuropática, mista e psicogênica.

Dor nociceptiva: deve-se � ativa��o dos nociceptores e � transmiss�o dos impulsos a� gerados pelas vias nociceptivas at� regi�es dos sistema nervoso central onde tais impulsos ser�o interpretados. S�o exemplos de est�mulos dolorosos nociceptivos: agress�es externas (picadas de um inseto, fratura �ssea, corte da pele), dor visceral (c�licas, apendicite), a neuralgia do trig�meo, etc.

Dor neuropática: tamb�m denominada de dor por injúria neural ou dor central. O mecanismo fisiolpatol�gico deste tipo de dor est� relacionado com a les�o do tracto neoespino-tal�mico ou neotrigeminotal�mico (para a dor facial). Outro fato bem definido � que este tipo de dor � gerado dentro do pr�prio sistema nervoso, independendo de qualquer est�mulo externo ou interno. S�o exemplos de dor neurop�tica: a dor das polineuropatias, dor do membro fantasma, dor por avuls�o do plexo braquial, a dor p�s-trauma raquimedular e a dor p�s-AVE.

Dor mista: � aquela que decorre dos dois mecanismos anteriores. Por exemplo: dor por neoplasias malignas, quando se deve tanto ao excessivo est�mulo dos nociceptores quanto � destrui��o das fibras nociceptivas.

Dor psicogênica: � um tipo de dor que envolve o aspecto afetivo-motivacional do paciente. Pode ser relatada como muito intensa, excruciante, lancinante, incapacitante. A descri��o costuma se expressa na forma dram�tica (“como um canivete introduzindo no corpo”). O exame f�sico deste tipo de dor n�o apresenta qualquer achado relevante, mas percebe-se um grande inc�modo quando se pressiona a regi�o referida. Exames complementares, como avalia��es psiqui�tricas e psicol�gicas acabam por identificar depress�o, ansiedade, hipocondria, histeria ou transtorno somatiforme.

TIPOS DE DOR Dor somática superficial: � a forma de dor nociceptiva decorrente de estimula��o de nociceptores do

tegumento. � geralmente bem localizada e decorre usualmente de trauma, queimadura e processo inflamat�rio.

Dor somática profunda: � a modalidade de dor nociceptiva consequente � ativa��o de nociceptores dos m�sculos, f�scias, tend�es, ligamentos e articula��es. Suas principais causas s�o: estiramento muscular, contra��o muscular isqu�mica, contus�o, ruptura tendinosa e ligamentar, s�ndrome miofascial, artrite a artrose.

Dor vesceral: � a dor nociceptiva decorrente da estimula��o dos nociceptores viscerais. � difusa, de dif�cil localiza��o e descrita como um dolorimento ou como uma dor surda, vaga, cont�nua, profunda, tendendo a acentuar-se com a solicita��o funcional do �rg�o acometido.

A dor visceral verdadeira, embora usualmente apresente as caracter�sticas mencionadas anteriormente, tem tend�ncia a se localizar pr�ximo ao �rg�o que a origina. Ex: a dor card�aca que tem localiza��o retroesternal e precordial; a dor esof�gica � retroesternal ou epig�strica; a dorgastroduodenal localiza-se no epig�strio e no hipoc�ndrio direito; a dor vesical e uretral proximal � p�lvica e no baixo ventre; a dor uterina, no baixo ventre; etc.

Dor referida pode ser definida como uma sensa��o dolorosa superficial localizada a dist�ncia da estrutura profunda (visceral ou som�tica). A refer�ncia da dor obedece � distribui��o metam�rica. A explica��o pra este fen�meno � a converg�ncia de impulsos dolorosos viscerais e som�ticos para neur�nios nociceptivos comuns localizados no corno dorsal da medula espinhal. Como as vias que levam essas informa��es a uma �rea de proje��o cortical s�o praticamente as mesmas, o c�rtex somest�sico interpreta como sendo originada de uma �nica regi�o (que seria a que mais apresenta nociceptores). Como a regi�o que capta a dor som�tica � muito mais rica em termina��es nervosas nociceptivas, os impulsos dolorosos viscerais s�o referidos para �quela �rea cujos prolongamentos que partem para o sistema nervoso central convergem juntamente aos nervos que conduzem este tipo

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de estímulo referente à víscera. São exemplos de dor referida: dor na face medial do braço (dermátomo de T1) nos pacientes com infarto agudo do miocárdio; dor epigástrica ou periumbilical (dermátomos de T6 a T10) na apendicite; dor no ombro direito (dermátomo de C4) nos indivíduos com doença do diafragma ou da própria vesícula biliar (cujas afecções seguem pelo nervo frênico).

Dor irradiada: é a dor sentida a distância de sua origem, porém, obrigatoriamente em estruturas inervadas pela raiz nervosa ou nervo cuja estimulação nóxica é responsável pela dor. Ex: isquiatalgia.

CARACTER�STICAS SEMIOL�GICAS DA DORTodo paciente deve ser sistematicamente avaliado, levando-se em consideração as características

semiológicas da dor: localização, irradiação, quantidade ou caráter, intensidade, duração, evolução, relação com funções orgânicas, fatores de desencadeantes ou agravantes e manifestações concomitantes.

LOCALIZAÇÃORefere-se a região em que o paciente reclama a dor. A localização da dor é de extrema importância para a

determinação de sua etiologia. Deve-se solicitar ao paciente que aponte com um dedo a área em que sente a dor, área essa deve ser anotada utilizando-se a nomenclatura das regiões da superfície corporal.

Também é relevante a avaliação da sensibilidade na área de distribuição da dor e adjacências. A presença de hipoestesia é evocativa de dor neuropática, sobretudo se houver um componente descrito como em queimação ou formigamento.

Vale a pena lembrar que a dor somática superficial tende a ser mais localizada, enquanto a dor somática profunda e a dor visceral, bem como a dor neuropática, tendem a ser mais difusas.

IRRADIAÇÃOA dor pode ser localizada, irradiada (seguindo o trajeto de uma raiz nervosa ou nervo conhecido) ou referida. Os aspectos das principais dores irradiadas são os seguintes:

Radiculopatia de S1: dor lombar com irradiação para a nádega e face posterior da coxa (N. cutâneo posterior da coxa S1, S2 e S3) e perna (N. sural ramo do N. isquiático L4, L5, S1, S2 e S3), até a região do calcanhar.

Radiculopatia de L5: dor lombar com irradiação para a nádega e face pósterolateral da coxa (N. cutâneo lateral da coxa e perna, até a região maleolar lateral.

Radiculopatia de L4: dor lombar com irradiação para a virilha, face anterior da coxa e borda anterior da canela, até a região maleolar medial.

Radiculopatia de L1: dor dorsal na transição toracolombar, com irradiação anterior e inferior para a virilha. Radiculopatia de T4: dor dorsal com irradiação anterior, passando pela escápula, para a área mamilar. Radiculopatia de C6: dor cervical com irradiação para a face lateral do braço e antebraço.

Os principais aspectos para a dor referida são: Apêndice: dor epigástrica; Vesícula, fígado: dor na escápula e no ombro; Ureter: dor na virilha e genitália externa; Coração: dor na face medial do braço.

QUALIDADE OU CARÁTER Para se definir a qualidade ou caráter da dor, o paciente é solicitado a descrever como a sua dor se parece ou

eu tipo de sensação e emoção ela lhe traz. Vários termos técnicos são utilizados para descrever a qualidade da dor: Dor evocada: só ocorre mediante a provocação do estímulo. Alodínia: sensação desagradável e dolorosa provocada por estimulação tátil em área com limiar aumentado e

excitabilidade (um mero toque com um algodão pode ser algo pertubador). Hiperpatia: sensação desagradável, mais dolorosa que a usual. Hiperalgesia: resposta exagerada aos estímulos aplicados em uma região que se apresenta com limiar de

excitabilidade reduzido. Dor espontânea: provocada espontaneamente. Dor constante: é aquele cuja intensidade varia, mais nunca desaparece completamente. Dor intermitente: ocorre episodicamente. Dor pulsátil: episódios de dores regulares com intervalos curtos.

INTENSIDADEComponente extremamente relevante da dor, sendo o de maior importância para o paciente. Esta intensidade

pode ser avaliada pelos seguintes critérios:

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Escalas com express�es verbais: SEM DOR – DOR LEVE – DOR MODERADA – DOR INTENSA – DOR INSUPORT�VEL

Escala anal�gica visual (para o adulto): linha reta com um comprimento de 10 cm e numerada de acordo. A escala varia de designa��es como sem dor (seria o ‘0’ da escala) a dor insuportável ou pior imaginável (seria o ‘10’ da escala).

Escalas de representa��o gr�fica n�o num�rica (para crian�as, idosos e adultos com baixo n�vel cultural): uso de express�es faciais de sofrimento que evolui para express�es felizes.

DURAÇÃODetermina-se com a m�xima precis�o poss�vel a data de in�cio da dor. Em se tratando de uma dor contínua, a

dura��o da dor � o tempo transcorrido entre seu in�cio e o momento da anamnese. No caso de uma dor cíclica, interessa registrar a data e a dura��o de cada epis�dio doloroso. Se a dor � intermitente, deve-se anotar o in�cio dos sintomas e a dura��o m�dia dos epis�dios dolorosos e de crises por dia.

Dependendo de sua dura��o, a dor pode ser classificada em aguda (dura��o inferior a 3 meses) e crônica (superior a 3 meses). Ainda existe uma terceira classifica��o: a dor recorrente, que apresenta per�odos de curta dura��o que, no entanto, se repetem com freq��ncia, podendo ocorrer durante toda a vida do indiv�duo, mesmo sem estar associada a um processo espec�fico. Um exemplo cl�ssico deste tipo de dor � a enxaqueca.

EVOLUÇÃOTrata-se de uma caracter�stica semiol�gica de extrema relev�ncia. Ela nos revela toda a trajet�ria da dor,

desde o seu in�cio at� o momento da anamnese. O n�o reconhecimento da forma inicial de apresenta��o e a evolu��o da dor torna o diagn�stico extremamente dif�cil. Deve-se adotar a seguinte sequ�ncia de fatos:

MODO DE INSTALA��O (dor s�bita, em c�lica, etc) CONCOMIT�NCIA DO FATOR CAUSAL E O IN�CIO DA DOR POSS�VEIS MODIFICA��ES CARACTER�STICAS ATUAIS

RELAÇÃO COM FUNÇÔES ORGÂNICASA rela��o da dor com as fun��es org�nicas � avaliada considerando-se a localiza��o da dor e os �rg�os e

estruturas situados na mesma �rea. Dor cervical, dorsal ou lombar pesquisa-se movimentos da coluna Dor tor�cica movimentos respirat�rios, tosse, espirro, etc Dor periumbilical com a ingest�o de alimentos Dor retroesternal com a degluti��o Dor no hipoc�ndrio direito com a ingest�o de alimentos gordurosos Dor no baixo ventre com a mic��o, evacua��o ou menstrua��o. Dor nos membros inferiores deambula��o

OBS: Regra geral: a dor � acentuada pela solicita��o funcional da estrutura em que ela se origina.

FATORES DESENCADEANTES OU AGRAVANTESS�o aqueles fatores que desencadeiam a dor (quando esta estiver ausente) ou a agravam (quando j�

instalada). Como exemplos, temos: Na gastrite e �lcera p�ptica: Fun��es org�nicas; Alimentos �cidos e picantes; Bebidas alco�licas; Nas doen�as biliares: alimentos gordurosos Enxaquecas: barulho, chocolate, queijo, vinhos, luminosidade excessiva, estresse. Na meningite subaracn�idea: na flex�o da nuca Neuralgia do trig�meo: lavar o rosto, escovar os dentes, conversar, mastigar Dor neurop�tica: estresse, barulho, mudan�as clim�ticas, atividade f�sica.

FATORES ATENUANTESS�o aqueles que aliviam a dor. Como exemplo, temos:

Posturas ou atitudes de dec�bito: dores viscerais induzem o paciente a realizar press�o no �rg�o acometido e curvar-se para diminuir a press�o abdominal

Distra��o Ambientes apropriados Medicamentos (analg�sicos opi�ides e n�o-opi�ides, antiinflamat�rios hormonais e n�o-hormonais, relaxantes

musculares, antidepressivos, anest�sicos locais, etc) Repouso (para dores musculares)

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MANIFESTAÇÕES CONCOMITANTESA dor aguda, nociceptiva, sobretudo quando intensa, costuma acompanhar-se de manifestações

neurovegetativas que se devem a estimulação do sistema nervoso autônomo pelos impulsos dolorosos: Palidez, sudorese, taquicardia, hipertensão arterial, mal-estar, náuseas e vômitos.